- Se eu fosse rico, queria ver outra gente, outras terras. Queria ver pretos, brancos e amarelos.
- Por que não vermelhos, verdes e azuis?
- Existe gente azul?
- Por que não? Existe a gente que você quiser. Para conhecer gente e outros países você não precisa de dinheiro.
- Como é que se faz?
- Vou te ensinar. Feche os olhos. Pronto. Já estamos viajando.
Os panoramas se transformam em panaromas.
- Panaromas?
- Paranomas! Panoramas entram pelos olhos. Panaromas entram pelo nariz. Panoramas fazem sonhar. Abrem as portas às terras que você quiser, às gentes que você quiser.
- Quem é você?
- Eu sou o outro que você inventou. Agora existimos eu e você. Eu converso contigo e você conversa comigo. Teu nome é Xom, e eu me chamo Xem. O sonho já começou.
- Que nomes engraçados!
- Todos os nomes são engraçados. Nome que não é engraçado não tem graça. Se você quer conhecer outra gente, vá se acostumando a nomes engraçados. Engraçadas são as palavras que você não conhece. Até palavras que você conhece são engraçadas. Diga "chuva". Quando você diz chuva, você não ouve o chiado das gotinhas caindo? As gotinhas batem na tua pele. Rolam pelos braços. Não é gostoso? Aí você começa a cantar: chove chuva, chove sem parar...
- Chega de chuva. Me conte uma estória.
- A estória fica para depois. Antes da estória, aliás, de estórias - conheço muitas - vou te ensinar como se fazem as palavras. Palavras se fazem, você sabia? As que a gente inventa são as mais gostosas. Você está vendo aquele edifício? É feito de tijolos, ferro, cimento, vidro... Agora feche os olhos, o que você está vendo é um imagifício. Você pode construir tantos quantos você quiser. Os imagifícios são muito mais bonitos do que todos os edifícios que você já viu. E são bem mais baratos. Você pode fazer imagifícios com palavras, com pedras, com metais, com tinta. Até com lixo você pode construir imagifícios. Para construir imagifícios, você não precisa de dinheiro, basta ter imaginação. Quem tem imaginação é poderoso como o mar, é imarginável, pois o dono de uma imaginação sem margem. Vamos construir outra palavra. Veja esta: velhonário. Adivinhe o que é um velhonário. Fácil! É um milionário velho.
- Milionário tem que ser velho. Moço é sempre pobretão.
- Para ficar no gênero, carvelho..., entendeu? Carvelho é um carvalho valho. Escute só esta outra: desvestiga. Quem procura alguma coisa investiga, quem faz o contrário desvestiga. Quem sonha não investiga, desvestiga. Desvestigar é muito mais saboroso do que investigar. Vamos a uma mais difícil: imarginábil. Misture imagem com margem, assim se mistura água com vinho. Da mistura de imagem com margem sai imargem, imagem que não tem margem. Se você sabe imaginar sem limites, você é hábil, aí você vira imarginábil.
- Imarginábel é você!
- Sou e gosto de ser. Fico imaginando palavras o dia todo, São os meus imagifícios. Ainda não tenho doze anos e já sou velhonário de imagifícios. Já construí cidades inteirinhas. Uma delas se chama Dublin, ou melhor, Doblin, Doblin é uma Dublin dobrada, Doblin é outra Dublin, a Dublin dos meus sonhos, a cidade para onde viajo a hora que eu quiser. Em Doblin eu sou livre. Em Doblin ninguém manda em mim, e eu mando em tudo.
- Chega de inventar palavras. Mostre que você sabe inventar estórias.
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(SCHÜLER, Donaldo. Finnício Rióvem. São Paulo: Lamparina, 2005. p. 13-15)
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